segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Solta o grito

No embalo do primeiro post, segue a lista dos cinco mais belos gols de título presenciados por mim, in loco, no bom e velho Maraca.

1987: Leandro, o grande Leandro, domina a bola com estilo na intermediária rubro-negra, lá pelos quarenta e poucos do primeiro tempo da decisão do carioca. Toca, com a categoria de sempre, para o companheiro à sua direita, mas um certo camisa 11 é mais rápido e intercepta o passe. Romário lança Luís Carlos Martins na esquerda, que cruza. A bola vai na direção de Roberto Dinamite, que na área está cercado por Aldair, Andrade e Edinho. Pois entre esses três caras (repito: Aldair, Andrade e Edinho), Roberto, em vez de tentar a cabeçada, prefere matar no peito, virar o corpo e, de costas para o gol, deixar a bola escorrer até o pé direito, que toca rasteiro para o sujeito que vem correndo em diagonal, pela direita. O cara se chama Tita e acerta de primeira, na veia, a bola que morre no ângulo direito do gol defendido por Zé Carlos, o mesmo gol onde, uns sessenta minutos antes desse lance, naquele momento antes do jogo em que uma torcida fica sacaneando a outra, um balão da torcida vascaína ultrapassou a linha e pousou lá dentro, quase estufando a rede, pra delírio da galera do bem. Vasco, campeão carioca de 1987.

1988: Leandro já não está mais em campo. Tinha sido barrado após o primeiro jogo da decisão do carioca, quando Romário, aos 22 anos, fez com ele o que não deveria ser permitido fazer com craques
mais velhos. Naquela que seria, se não me falha a memória, a última partida de sua carreira, esse grande lateral e ótimo zagueiro caiu sentado ao ser driblado pelo 11 do Vasco, perdeu todos, eu disse todos os lances nos quais tentou marcar o Baixo e ainda deu o passe pra Romário tirar Zé Carlos com um lençol e completar para o gol de cabeça. Uma despedida marcante, eu diria. Mas se Leandro, o grande Leandro, não está em campo, Edinho está. E é ele quem se prepara para conter o avanço pela direita de Luís Edmundo Lucas Cocada, que acaba de receber o lançamento de Bismarck. No melhor estilo Cafuringa (ou Sabará, sempre bem mais eficiente, campeão intercontinental em 1957, em final memorável contra o Real Madrid de Di Stéfano, então bi, futuro pentacampeão europeu, na primeira conquista do futebol brasileiro na velha Europa), Cocada faz que vai pra direita, mas fecha pra esquerda. Na quina da grande área, o chute de canhota sai seco e vai direto no ângulo esquerdo do goleiro rubro-negro, aos 44 do segundo tempo. Depois, o nobre lateral tira a camisa, joga na cara do Carlinhos (técnico do flamengo) e é expulso. Renato Gaúcho tem um de seus conhecidos ataques de pelanca e provoca uma porrada generalizada. Toma uns tapas, pra deixar de ser otário, mas sai menos no prejuízo do que seu sósia careca, Alcindo, que consegue dar um chute fraco na virilha de Romário uns dois segundos antes de ser atingido no peito pela clássica voadora do goleiro reserva, desferida por PC Gusmão, na época suplente de Acácio. No fim, Vasco bicampeão carioca de 1987 e 1988.

1989: Mazinho, formado no Vasco, toca pra Bebeto, que só foi parar com esse negócio de tomar tapa na cara de técnico e chorar depois de vestir a camisa cruzmaltina. Bebeto, que só no Vasco conquistou um campeonato brasileiro de verdade e foi artilheiro do Brasil, devolve para Mazinho na direita. O lateral, campeão brasileiro em 89 e tetra mundial em 94, vai ao fundo e cruza. Romário, também formado no Vasco, se antecipa ao goleiro Zeoli e toca de cabeça para o gol. Brasil 1 a 0 no Uruguai. Após 40 anos, a seleção volta a ganhar uma Copa América. E, sem jogadores do flamengo nem na quarta-zaga nem na lateral esquerda, por onde um tal de Gigghia deitou e rolou em 1950, entre dois rubro-negros, finalmente ganha uma final do Uruguai no Maracanã.

1994: A final do campeonato é inusitada. Vasco e fluminense decidem o título num jogo. Quem ganhar, leva, mas se der empate o campeão é o .... flamengo. Promessa de emoção até o fim, com três grandes torcidas sofrendo até o último minuto. Mas o Vasco entra em campo pra conquistar o primeiro tri de sua história, então em menos de cinco minutos o time perde um pênalti e depois faz 1 a 0 com Jardel. O domínio é absoluto. Nosso frágil adversário, cuja torcida tinha o estranho hábito de jogar talco uns nos outros (não sei se ainda tem),
sequer ameaça o gol vascaíno. Carlos Germano, se quisesse, poderia aproveitar os noventa minutos da decisão pra resolver aqueles problemas particulares chatos, tipo pagar conta, procurar encanador pra consertar a pia, essas coisas. Mas o gol do título só vem no segundo tempo. Willian toca para Jardel que, de trivela, chuta fraco, mas conta com a ajuda do grande Luís Eduardo, zagueiro tricolor, que com um leve toque desvia a bola do goleiro Ricardo Cruz. É o segundo gol com o pé de Jardel na partida (fato talvez inédito na carreira de um dos maiores cabeceadores de todos os tempos) e o Vasco é tricampeão carioca de 92/93 e 94, num campeonato que, na prática, teve dois vices. flamengo e fluminense. Bem significativo...

Aqui, aliás, cabe um adendo. Se essa lista seguisse estritamente o critério de beleza na escolha de gols de título, a falta batida por Petkovic na final de 2001, vista por mim da arquibancada do lado oposto ao gol, certamente entraria na lista, no lugar deste gol de Jardel, que não foi lá tão bonito assim. O chute do Pet foi lindo, no ângulo, e meio de longe. Merece aplausos, sim. Mas como a falta que originou aquele gol não existiu, assim como o pênalti inventado pelo árbitro no primeiro gol do flamengo naquela decisão, esse lance ficou de fora da lista. Afinal de contas, aqui só valem gols legais, e vamos logo ao último deles, mais legal impossível.

18 de janeiro de 2001: No dia do meu aniversário, o Vasco decide mais um título brasileiro, dessa vez com um time do interior de São Paulo, que joga com a torcida a favor de quase todo o país, menos dos cerca de quinze milhões de vascaínos. No início do segundo tempo, o Vasco vence por 2 a 1 (porque esse negócio de jogar final no Rio contra caipiras do interior paulista e não fazer gol é coisa pra time pequeno). Euller é lançado na bandeira de escanteio, fica sem ângulo e volta a bola para Paulo Miranda, que toca para o falecido Clébson, que rola pra Jorginho, que vira o jogo na esquerda pra Jorginho Paulista, que manda no meio pra Paulo Miranda, que devolve pra Clébson, que rola de novo pra Paulo Miranda, que acha Juninho Paulista, que enfia para Romário dentro da área. Acossado pelo também falecido Serginho, de trágica memória, o maior artilheiro do futebol mundial em todos os tempos, com o símbolo do SBT em cima do número 11, dá três toques na bola como se não estivesse sendo marcado e manda a bomba na saída de Silvio Luiz, da quina da pequena área. Vasco tetracampeão brasileiro de 74/89/97 e 2000.

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