segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Amigos de infância

Eles eram tipo melhores amigos desde moleques. Torciam também para o mesmo time e jogavam bola, muita bola. Começaram juntos, lá pelos seis, sete anos de idade, no futebol de salão do Vasco, muito antes do futsal. Os dois eram canhotos e não subiram para o profissional exatamente ao mesmo tempo. O Pedrinho um pouco antes, em 1995, quando num ano irregular, sem conquistas, participou ao menos de uma virada histórica, mais uma, dessa vez no Mineirão, contra o Cruzeiro, de 0 a 2 pra 3 a 2, com gol da vitória do Valdir, o Bigode, aliás, golaço. Mas se firmar mesmo no time titular o Pedrinho só se firmou quando subiu o Felipe, em 1997. Os parceiros de infância puderam, então, vivenciar o sonho de qualquer garoto. Jogando juntos pela esquerda os dois ganharam Brasileiro, depois Carioca e a Libertadores no Centenário, maior título da história do clube junto com o Sul-Americano de 1948, do Expresso da Vitória, no Cinquentenário.

Criados dentro de uma mesma filosofia de Vasco, dos seis, sete de idade aos vinte e poucos, os dois também voltaram no fim de suas carreiras, quando era outra a gente que comandava o clube, com outra filosofia de Vasco, se é que tinham alguma. O Pedrinho voltou antes, na inacreditável campanha do nosso primeiro rebaixamento, em 2008, o mesmo time em sexto em 2006, a um travessão da Libertadores graças à falta de estrela de um traíra; sustentando G4 por dezenas de rodadas até cair de rendimento e terminar lá pelo décimo lugar, sem nem sequer flertar com zona de rebaixamento em 2007; e no ano seguinte, depois de ficar na semifinal da Copa do Brasil, nos pênaltis, após ter um gol legal anulado, do mesmo traíra sem estrela do travessão de 2006, estava em nono no fim do primeiro turno, até que assumiu a nova diretoria com apoio maciço da imprensa "especializada", tudo pela transparência, pela democracia ainda que sem votos, e pelas mãos do Judiciário estadual.

O técnico campeão da Libertadores, do Brasileiro, da Rio-São Paulo e de uns três cariocas, pelo menos, foi demitido e no lugar dele entrou um ex-jogador que à época empresariava jogadores, e que passou a pedir a contratação de seus pupilos, um deles reserva na segunda divisão, outro brigando por vaga no time, agradando muito o treinador, sim, na terceira, e todos ganhando dezenas de milhares de reais por mês. E o grande reforço apresentado pela nova diretoria, de peso, foi o zagueiro Fernando, que tinha feito "fama" no Flamengo. O time então foi caindo, caindo, e quando o técnico empresário foi demitido já estava em situação muito difícil, a chafurdar havia três, quatro rodadas na até então mui pouco frequentada zona de rebaixamento. No meio desse processo, o Pedrinho voltou pra ser pouquíssimo utilizado, obrigado a assistir do banco à derrota em casa que sacramentou a queda, e nenhuma outra imagem, na modesta opinião de quem escreve, reflete mais fielmente a tristeza do torcedor vascaíno naquele momento do que o choro solto, à beira do convulsivo, do Pedrinho na beira do gramado, já com as três substituições feitas, com o uniforme do time e aos prantos, ele que foi dispensado pela diretoria moderna, transparente, democrática, e era nome certo na seleção dez anos antes, convocado já, quando sofreu a entrada do cruzeirense que mudou tudo na sua carreira, pra pior. Pouco mais de quatro anos depois do rebaixamento, o Pedrinho teve ao menos um afago da diretoria da queda, que viria a cair de novo naquele ano do jogo de despedida dele, 1 a 0 contra o Ajax de Amsterdã em São Januário, uma bela festa pra quem tinha conseguido fazer história mesmo nos seis anos de zorra total na administração do Vasco. Foi no Brasileiro de Showbol, organizado pelo Djalminha, transmitido sempre com festa pelo Sportv e quase todo ano com o Flamengo campeão, até que o Pedrinho, em 2011, entrou numa de ganhar o tal Brasileiro de Showbol, e ganhou, jogando muito e tirando muita onda. Na lista de campeões brasileiros de Showbol, do Djalminha, tá lá agora, desde 2011, o nome do Vasco, e graças ao campeão do Brasileiro de verdade, da Libertadores no Centenário, do Carioca também, e da Mercosul, ainda que nessa não tenha participado da maior virada da história do futebol, na virada do milênio.

O Felipe fez ainda mais no retorno ao Vasco. Beneficiado pela montagem do último grande time do clube, por enquanto, chegou de volta em 2010 e no ano seguinte se tornou o jogador mais vitorioso da história do clube, com a Libertadores e o Carioca no Centenário, os Brasileiros de 97 e 2000, a Mercosul de 2000, os dois últimos sem jogar muito, a Rio São-Paulo de 99 e a Copa do Brasil de 2011. Na Libertadores do ano seguinte, o time iria decidir a vaga com o Corinthians nos pênaltis, se não tivesse seu gol legal anulado pelo mesmo bandeirinha que, na semifinal, fazia círculos de spray de felicidade diante da iminente classificação do Timão à sua primeira final, e aqui nem vamos falar da tosca manipulação de tira-teimas televisivos pra endossar mudanças de opinião de narradores e comentaristas de arbitragens, exibidos com quarenta minutos de atraso pra provar em linhas tortas, ridiculamente tortas, que o gol "na verdade" não tinha sido legal, não. Com a eliminação veio o desmanche, isso quando o time, mesmo recheado de reservas por causa da Libertadores, arrancou no Brasileiro com quatro vitórias seguidas e brigava pela ponta da competição quando saiu Diego Souza sem o clube ver um centavo, ao contrário do empresário e de dirigentes que tinham "investido" no jogador. Saíram também Rômulo, Allan, Fágner, já tinha saído Anderson Martins bem antes e o time ficou fora até do G4. Na virada do ano, saiu Fernando Prass, Dedé sairia antes do fim do Carioca e mesmo vendendo, se desfazendo de tanta gente o clube não tinha dinheiro, a diretoria alegava cofres sempre vazios e o presidente, um ex-ídolo, foi abandonado por seus vices, toda a diretoria que o elegera, que permanecera com ele na reeleição carregada de mais suspeitas ainda que o primeiro "pleito", se é que isso é possível, todos saíram pra ficar apenas os profissionais, "altos executivos".

Juninho também tinha saído, pra Nova York, e Felipe disse que ficaria, queria ficar, mas não resistiu, não conseguiu ficar de boca fechada diante da nova contratação "de peso" do presidente, ex-ídolo. Por algo entre 200 mil e 300 mil reais por mês, o presidente dos cofres vazios contratou mais um "alto executivo", no caso um ex-treinador cujo maior feito na carreira tinha sido, e continua sendo, a classificação da Jamaica para a Copa do Mundo num ano em que os Estados Unidos não disputaram as Eliminatórias. Perguntado a respeito, Felipe disse o óbvio, que era melhor usar o salário de mais esse "alto executivo" pra trazer algum jogador de qualidade, que pudesse dividir com ele a tarefa de carregar um time enfraquecido por demais, já sem goleiro. Como sua primeira grande "intervenção" o novo "alto executivo", rígido, severo, decidiu demitir Felipe, que foi encerrar a carreira no Fluminense, naquele ano mesmo. O "alto executivo" pode então continuar seu trabalho sossegado, sem desrespeitos à hierarquia como aquele, e contratou Sandro Silva, por muito dinheiro, e o goleiro Michel Alves, por menos, e decretou que o Vasco estava bem servido de goleiros, dispensando de cara sondagens como do velho Dida, que naquele Brasileiro viria a salvar a Portuguesa do rebaixamento, no campo, antes da tal história mal contada até hoje, que livrou da degola a dupla da moral e dos bons costumes enquanto o Vasco, há meses já sem o "alto executivo", dispensado com o time na zona de rebaixamento, caía num jogo sem policiamento, com batalha campal entre torcidas organizadas e, nas mesmas arquibancadas, torcedores avulsos de cabeça branca do Vasco tomando pescoções enquanto tentavam se afastar da briga.

Parentes de jogadores do Vasco estavam na arquibancada, e mesmo assim, sem policiamento, com seguranças de boate, poucas dezenas deles, elegantes e desarmados, pra resolver a pancadaria generalizada, a diretoria do Vasco não tirou o time de campo. Desconhecedora do regulamento, não sabia que, se tirasse, haveria no mínimo outro jogo, em outras circunstâncias. Não tirou, e o clube caiu mais uma vez, dessa vez sem "herança maldita".  Mas há seis dias, exatamente, com a posse do novo velho presidente de sempre, quem caiu de vez foi a diretoria dos últimos seis anos, dos dois rebaixamentos, da perda do centro de treinamento, da champs, das prorrogações de mandato por liminar, da morte de um menino no "CT" terceirizado das categorias de base, do "rugby soçaite" das Olimpíadas e de tudo mais que aconteceu nesse período difícil. Volta agora a filosofia de Vasco que formou Pedrinho e Felipe, e que formou também Romário, Edmundo, Carlos Germano, Mazinho, Bismarck, Willian, Sorato, Alan Kardec, Jardel, Alex Teixeira, Phillippe Coutinho...

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