segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Vaias ao Thalles, palmas pra Kelvin e a burrice crônica do vascaíno guiado pela 'grande mídia'

Foto: Carlos Gregório Jr./Vasco

Há uma certa má vontade com o Vasco, de certa parte de sua própria torcida, e não é de hoje. Vem dos tempos em que Alan Kardec, prata da casa, artilheiro desde criança, integrante de varias seleções da base, de Mundial Sub 20 inclusive, era efusivamente vaiado, ridicularizado até, por boa parte da torcida vascaína. Na primeira vez como profissional, no Maracanã, Kardec entrou no fim de uma semifinal maluca em que o Vasco perdia por 4 a 3 para o Botafogo. Com uma de suas especialidades, a cabeçada certeira, empatou a disputa que o Vasco perderia nos pênaltis. No ano seguinte, em outra semifinal, essa contra o maior rival, abriu o placar no Maracanã de novo lotado com um gol de placa, o drible desconcertante no marcador e a varada no ângulo, de fora da área. Ajudado pelo apito de quase sempre, o Flamengo empatou com um gol ilegal e depois virou a partida, e Alan Kardec continuou a fazer gols pontuais e a ser vaiado, ridicularizado por parte de sua própria torcida até ser vendido a preço de banana pela administração bananamite. Hoje, essa certa má vontade de vascaínos com o Vasco continua, tem a mesma origem, e o alvo da vez é Thalles.
Como Kardec, Thalles é cria do Vasco, artilheiro desde criança, integrou seleções de base e na prova de fogo, na primeira vez como profissional em jogo decisivo no Maraca, fez dois gols nas duas primeiras oportunidades, a segunda conduzindo até a entrada da área e dali fuzilando, no ângulo. Depois o gordinho Walter fez uma jogadaça no primeiro gol do Goiás e o Vasco acabou eliminado nas quartas-de-final da Copa do Brasil, graças tambem à anulação do gol legal de Luan pelo irmão do hoje comentarista de arbitragem da Grobo, Paulo César de Oliveira, e à falha do goleiro escolhido entre os três ruins pra ir até o fim da temporada, que viria a ser decisivo, ainda, no rebaixamento do time dali a dois, três meses.
Alessandro era menos ruim que Michel Aves, mas pior ainda que Diogo Silva, que garantiu pelo menos seis pontos naquele campeonato nas vitórias de 1 a 0 sobre o Coritiba, no Couto Pereira, e o Fluminense, em Santa Catarina. Diogo Silva fez defesas difíceis nestes e em outros jogos, mas falhou bisonhamente em outros, como no frangaço na derrota em casa para o São Paulo, e dos três goleiros era o mais vaiado, o mais ridicularizado pelo tipo de torcedor que anteontem, na social de São Januário, pedia a saída de Thalles e vibrava com Kelvin.
Pelo terceiro jogo seguido, Kelvin armou lá seu salseiro pelos lados do campo, foi intensamente aplaudido e não conseguiu nem criar, nem participar, nem concluir uma jogada de gol sequer, nem ele nem Gilberto, se bem que este criou ótima oportunidade sozinho, roubando a bola e entrando na área sem ângulo no segundo tempo, com chute triscando a junção do travessão com a trave.
Contra o Santos do Amapá, Gilberto e Kelvin entraram no segundo tempo e armaram várias jogadas, de fato, mas nenhuma que tenha resultado em gol. Em 45 minutos, Kelvin perdeu cinco gols, três deles feitos, sozinho, e saiu de campo ovacionado, tido como "liso" e demais adjetivos do gênero. Começou como titular no outro jogo, ele e Gilberto, e os dois de novo tramaram diversas jogadas, e nenhuma delas de novo resultou em gol, e o Vasco perdeu para o Volta Redonda por 1 a 0.
O Vasco passou a precisar vencer a Portuguesa pra garantir a classificação e lá estava Kelvin, pela primeira vez em São Januário, sendo incansavelmente apoiado pela torcida. E ao lado dele estava Thalles, que depois do começo avassalador daquele jogo contra o Goiás no Maracanã continuou a fazer seus gols pontuais, mas decidiu comemorar o sucesso caindo na night, criando bunda e barriga. Deixou de ser convocado para as seleções de base bem antes do Mundial Sub 20 e teve um ano de 2015 pra se esquecer, até receber uma bronca pública do técnico Jorginho.
Daí parece ter resolvido agarrar o que era sua última chance e começou 2016 muito bem, perdendo peso, fazendo gols como o da vitória contra o Botafogo na Colina, com passe primoroso de Nenê, fundamental para a conquista da Taça Guanabara depois de 13 anos. Veio o bicampeonato carioca, invicto, e começou a Série B com Thalles marcando contra o Bahia e mais nada, não conseguindo se firmar no time e ensaiando nova desandada.
Pouco importa que no duro jogo contra o Goiás fosse ele, Thalles, a recuperar sentado uma bola dada como perdida e a deixar nos pés de Nenê, para o passe sob medida a Adrezinho, que fez o gol único da vitória sofrida. Boa parte da torcida vascaína não via nada disso e vaiava, como vaiou durante quase todo o segundo tempo contra o Criciúma em São Januário, até Thalles, lá pelos trinta e tanto do segundo, fazer o gol da vitória suada.
Na reta final da Série B, Thalles foi o cara. Decidiu contra o Paraná e o Bragantino, fez gol contra o Luverdense e garantiu de vez o acesso com os dois gols da vitória contra o Ceará. As vaias pararam por um tempo, mas também porque àquela altura do campeonato, boa parte da torcida vascaína, a que acredita na "grande mídia", estava mais interessada em protestar.
Terminava a temporada na qual o Vasco tinha sido bicampeão carioca, retomando o posto de maior campeão invicto da história do estadual, acabava o ano com o time tendo quebrado o próprio recorde de invencibilidade em jogos oficiais ou não de sua história, superando, por exemplo, em um jogo a melhor marca do freguês da Gávea, e a torcida, guiada por campanhas insufladas pelos jornais flamenguistas, com o perdão pela redundância do termo, preferia protestar, e contra a diretoria.
O ano terminava com o Vasco se superando numa situação nunca antes vivida por nenhum outro dos ditos grandes clubes do país a não ser o Grêmio e sua batalha dos Aflitos. Um jogo pesado pela chance de não subir, um Maracanã lotado e o adversário abrindo o placar na falha do goleiro ídolo do time, que em menos de mágicos cinco minutos se recupera e vira com dois gols dele, Thalles, na volta para o segundo tempo. A festa, o alívio, os gritos ridículos pelo Oeste pra gáudio da triste "grande mídia" que tanto queria, coitadinha, cobrir com toda emoção a "tragédia" do não acesso do Vasco, e daí, mais pro fim do jogo e após o apito final, os protestos enraivecidos que foram diferentes dos de 2014, em situação parecida.
Em 2013 o Vasco caiu por causa da escolha errada do goleiro menos ruim e, no fim das contas, por conta da diretoria, que manteve o time em campo sem policiamento, fazendo a vontade, complacente, de todos que queriam o tetracampeão caindo mais uma vez. Na Série B o time jamais chegou à liderança e tomou de 5 do Avaí, em casa. E enquanto o campeonato rolava a diretoria priorizava a prorrogação do próprio mandato na Justiça, com o apoio da mídia amiga que insuflava denúncias ridículas, como o tal "mensalão vascaíno".
Um grupo então na oposição e atuante há pelo menos 13 anos na política vascaína, denominado Casaca, fez uma campanha de associação em massa, a maior da história do clube, que rendeu cerca de R$ 1,3 milhão aos cofres do Vasco. Pois bem, esse foi o motivo da denúncia que possibilitou o adiamento das eleições sem maiores argumentos da Justiça, a não ser a generalidade do juridiquês das liminares que deram tempo, para a diretoria, de criar dívidas e mais dívidas, de confessar pendências milionárias no tempo extra de mandato concedido à administração bananamite pela Justiça.
Abandonado, o time de 2014 chegou à penúltima rodada precisando do empate contra o Icasa no Maracanã lotado, e foi o que aconteceu, com Kleber Gladiador abrindo o placar, os cearenses empatando e perdendo um gol feito no último minuto, antes do apito final e das vaias que, curiosamente, não foram direcionadas daquela vez à diretoria. Time sem vergonha, gritou o torcedor para Douglas, Martin Silva, Luan e cia, poupando o presidente, os vices e diretores que deixaram o clube na penúria, com o patrimônio em ruínas e o time, com salários frequentemente atrasados, à deriva.
Já no ano passado, o Vasco, além do bicampeonato invicto, da sequência de traulitadas no eterno freguês da Gávea e nos demais grandes do Rio, liderou do inicio até o meio do segundo turno a Série B de 2016, quando desanimou ao ser eliminado com o garfo de quase sempre da Copa do Brasil, grande objetivo do ano, contra o Santos. Daí o time perdeu o prumo, mas não saiu, jamais, do G4, apesar de chegar à ultima rodada com o risco, ainda, de não subir.
Mas Thalles estava lá pra garantir e, com o apito final, consumada a vitória e o acesso que ninguém, a não ser quem é vascaíno, queria, veio a vaia estrondosa de boa parte da torcida vascaína direcionada ao Diguinho, sim, também a Julio César e cia, todos com salário em dia, mas muito, muito mais à diretoria, até porque o torcedor do Vasco denominado bovino, aquele que acredita na mídia corporativa, estava pautado pra isso, assim como o torcedor da social que assistia Kelvin deixar passar por baixo, pra lateral, o passe longo de Nenê ligando o contra-ataque e aplaudia, esperançoso, e mais animado ainda ficava com mais um quase-gol do novo ídolo, o cruzamento do escanteio e ele, "liso", subindo livre pra cabecear a bola na trave, quase. Enquanto isso Thalles só recebia apupos e a impaciência do torcedor que chamava de burro o técnico por mantê-lo, em outra das obsessões dessa mesma parte da torcida, contra o Cristóvão, que aliás tem tudo a ver com as vaias muito mais contundentes contra o menos ruim dos três goleiros fracos, único a garantir seis pontos com duas atuações de gala na tortuosa campanha de 2013.
Com o 0 a 0 mantido no primeiro tempo e o segundo já passando dos 15 sem nada de gol, o clima na social de São Januário só piorava, torcedores revoltados gritavam impropérios, insultavam Cristóvão e pediam a saída da prata da casa enquanto poupavam o parceiro dele no ataque, recém chegado, até que Escudero recebeu na esquerda e cruzou para a cabeçada do camisa 9 meio que em cima do goleiro, mas forte. O goleiro Luciano tocou na bola, ainda, mas ela morreu na lateral da rede, decretando o placar final aos 17 do segundo tempo: Vasco um, Portuguesa zero, gol de Thalles.
Que Thalles continue a decidir jogos em favor do Vasco, que Kelvin seja definitivamente desmascarado, o mais breve possível, pra não atrapalhar mais ainda o time, que Pikachu retome a posição de Gilberto e que cada vez mais torcedores do nosso muy amado Club de Regatas Vasco da Gama tenham em mente, com a licença de Euclides da Cunha, que o vascaíno que acredita na chamada “grande imprensa” é, antes de tudo, um otário.

Este blog que agora se inicia, com o texto acima, não tem a menor pretensão de protestar contra o tratamento dispensado pela imprensa ao glorioso Vasco da Gama, primeiro campeão continental da história. Abaixo, pra já começar com um certo volume, estão textos transferidos ou reproduzidos de outro blog bem pessoal, o Relatos, espécie de currículo virtual deste discreto jornalista. Em cada um deles há um link apenas, pra não atrapalhar a leitura, norma que será seguida sempre por aqui. Lá embaixo, na outra página, no texto Sétimo dia, o link é para um programa do Redação Sportv no qual o título de 1923 foi homenageado. Foram mostrados jornais da época e um deles, o Correio da Manhã, dava a notícia bem pequena, nas mesmas sete linhas nas quais informava que "o Andarahy alcançou a sua mais estupenda victoria da temporada derrotando o Flamengo por um ponto de differença". Não existia o Globo ainda, mas já existia a "grande mídia" e ela já torcia para o mesmo time que torce hoje, por isso não há a menor pretensão aqui de mudar algo tão arraigado na nossa sociedade, até porque é isso que sempre alimentou as conquistas únicas do Vasco, simplesmente sem igual, como a virada de 0 a 3 pra 4 a 3 em final de torneio continental, com um a menos e na casa do adversário, que nenhum outro time no planeta tem. 

Ao blog cabe, no entanto, a esperança talvez até ingênua de reduzir um pouco o número de vascaínos de verdade que ainda caem no conto dos jornalistas que primeiro são flamenguistas, ou Corinthians, a depender do estado, e depois são tricolores, santistas, botafoguenses, torcedores sinceros dos são caetanos da vida, dos avaís, figueirenses do Luverdense ou do Bragantino, de qualquer time que enfrente o último deles na fila, aquele que, vindo da Zona Norte, das divisões mais baixas desde sempre afrontou a pacata burguesia e a decadente aristocracia da Zona Sul, ambas racistas, que jamais engoliram o Vasco dos negros, pobres e mulatos saído da segunda divisão e, logo no primeiro campeonato, dando que dando nos menininhos bem nascidos do Botafogo, do Flamengo e do Fluminense, revolucionando de vez, para todo o sempre, o futebol brasileiro, trazendo o povo pra dentro, abrindo as portas pra Pelé e cia e definindo de vez o papel dos quatro grandes do Rio. Aristocrático, a valorizar vitrais e troféus por bom comportamento, entregues por príncipes em nome da fidalguia, o Fluminense teve que assistir o filho bastardo ser maquiado e transformado em populista, pra enfrentar o time do negro, do pobre, do povo, enquanto o Botafogo foi ser gauche na vida.

Hoje os comentaristas da "grande mídia" repetem, iguais, que o Kelvin é "liso", que deu outra vida ao Vasco ou coisa parecida e o fazem, mais que tudo, por preguiça, porque não estão preocupados com isso, querem mais que o Vasco se dane. Mas há vascaínos aos montes que assistem aos programas, que leem os jornais e acreditam, e por isso ficam nesse mal estar com o próprio time, reclamando de tudo, minimizando as conquistas. Pra ir contra isso, sempre que possível, é que o blog começa agora, com a foto de capa do Carlos Gregório Jr., o mesmo que assina a imagem que abre o texto, lá em cima, e com o aviso de que irá tratar de um tema apenas, de que aqui, a pauta é Vasco. 

Um ano bom


Janeiro fervia e era preciso comprar um desumidificador, daí a necessidade de sair da agradável umidade do Cosme Velho e pegar o carro até o Leblon. No caminho, já na Lagoa, não dava pra deixar de perceber a quantidade de pessoas vestidas com as cores do “maior do mundo”, e todas caminhando na mesma direção. Grupos enormes de gente reunida, que só aumentavam de tamanho na medida em que o carro se aproximava da sede do time deles, daquelas paredes descascadas que há décadas envolvem o campo de futebol. Estádio? Não, o “maior do mundo” não tem estádio. Tem apenas um campo de futebol, e só horas depois de presenciar aquele espetáculo surreal, que se estendia também pelas ruas do Leblon – todos com as cores do “maior do mundo”, caminhando para o mesmo local –, é que pude constatar, já no trabalho, na tevê da redação, que uma multidão suada se espremia, debaixo de sol, nas precárias instalações do “maior do mundo”, isso por volta das quatro da tarde de um dia de semana. O povo ocupava todo o gramado, voltado para um palco improvisado em que Ivo Meirelles fazia U-hu! Sandra de Sá entoava gritos de guerra e Lecy Brandão cantava um pagode. No auge da festa, surge o “melhor do mundo”, jogador que até já jogou muito bem, mas que nunca decidiu nada na vida, e que, tal qual foca amestrada, faz embaixadinhas e demais gracinhas com uma bola de futebol. A multidão delira, grita, berra e no fim de tudo deixa o saldo de um portão quebrado, deixando ainda mais precárias as instalações do “maior do mundo”. Diante dessas cenas, na tevê da redação, é inevitável pensar:
Vem coisa boa aí.

E o ano começa com um Mundial de Clubes chancelado pela Fifa, um torneio reunindo camisas como as do Barcelona, Milan, Boca Juniors, Sporting de Lisboa, Vasco da Gama, o “timão” e o “maior do mundo”. Na divisão das equipes, feita tal qual num drafting de NBA, o melhor jogador do mundo cai no “timão”, e o maior artilheiro vai vestir as cores do “maior do mundo”. O Vasco fica com dois ou três veteranos da seleção, nenhum deles perto do melhor do mundo, muito menos do grande artilheiro. A Globo se anima, investe no torneio e decide transmitir a final ao vivo, no Esporte Espetacular, só que o Vasco elimina o “timão” nas quartas-de-final, vence o “maior do mundo” na semifinal e vai para a final contra o Sporting de Lisboa. A Globo, então, é obrigada a mostrar, domingão de manhã, a vitória do Vasco, que, pioneiro mais uma vez, conquista o Primeiro Mundial de Clubes de Futebol de Areia. Enquanto isso, o “maior do mundo” celebra uma tal Copinha, vencida graças a um gol de pênalti, daqueles bem marotos, e a CBF decide mudar critérios. Não será o campeão brasileiro Sub-20 o único representante do País na primeira Libertadores Sub-20 da história. Será, sim, só pode ser, o campeão da tal Copinha, e o “maior do mundo” recebe, de mão beijada, a chance de ser pioneiro em alguma coisa pela primeira vez na vida. Com uma geração que, dizem os entendidos, é de ouro, do goleiro aos atacantes, vai para a tal Libertadores Sub-20, a primeira da história, como um dos favoritos.

No futebol profissional, depois da saída de um técnico dado a ataques de histeria e de um vagabundo metido a ídolo, o Vasco começa a se acertar. Ricardo Gomes chega. Diego Souza também. E o time engata uma sequência de goleadas e de ótimas atuações fora de casa, que culminam na conquista da Copa do Brasil, a primeira da história do clube. A volta à Libertadores está garantida. Os três jogos finais são vistos no Bar do Nilson, boteco no coração da zona portuária, reduto cruzmaltino em que brilham figuras como Tião Cachaça, vascaíno típico, negro como boa parte do time de 1923, que garantiu ao Vasco vitórias acachapantes nos primeiros confrontos da história contra seus três rivais da cidade, e que fez com que o time nascesse campeão, conquistando o primeiro campeonato carioca do qual participou. Uma conquista e tanto, se levarmos em conta que o “maior do mundo” nasceu vice, e vice de um time que não existe mais, e que em mais de 100 anos de campeonato só ganhou unzinho, justamente aquele em que o “maior do mundo” nasceu vice, em 1912. E mais: A sede do campeão carioca de 1912 fica, até hoje, em frente à carcomida sede do “maior do mundo”, como uma singela lembrança de como o “maior do mundo” nasceu para o futebol. Nasceu vice, e vice do Paisandu, que não é nem o de Belém do Pará.

O “maior do mundo” também disputou a Copa do Brasil, e como franco favorito, mas caiu nas quartas-de-final, abatido por uma carroça desembestada num filme já visto outras vezes. Comemorando efusivamente mais uma carioquinha conquistado na fórmula mágica de sempre, os mulambos tomam um sapeca-iá-iá do Ceará dentro de casa, casa aqui em termos figurativos, lógico, porque os mulambos, como se sabe, não têm estádio. No jogo de volta, o “melhor do mundo” começa com tudo, jogando muito, mas depois some do jogo, desaparece, e o Ceará leva a melhor. O juiz deixa de dar um pênalti claro contra o “maior do mundo” e o treinador mulambo, malandro que só ele, reclama do juiz, e continua reclamando semanas depois, em entrevistas coletivas depois dos jogos do Brasileirão, que já estava sendo diputado. Os favoritos ao título? Segundo os entendidos de sempre, eram o “timão” e o “maior do mundo”, que tinha o “melhor do mundo” em seu elenco.

Na Libertadores Sub-20, a primeira da história, “o maior do mundo” se classifica para as quartas-de-final, fica a três jogos do título histórico, mas toma de cinco de um time peruano. Na primeira Libertadores Sub-20, o futebol brasileiro volta pra casa sendo humilhado pelo futebol peruano, e o goleiro mulambo ainda agride o juiz com tapas de Didi Mocó, é obviamente expulso e deixa o campo chorando, aos prantos. Mais um na vasta coleção de vexames internacionais do “maior do mundo”.

Mas no Brasileirão, tudo vem seguindo o script. O “timão” lidera e os mulambos estão logo ali, no encalço, e o “melhor do mundo” vem sendo elogiado por todos os entendidos, que tem de voltar pra seleção, que tem de conduzir o Brasil ao hexa, que é muito melhor que Neymar etc etc etc. Só o que destoa é o Vasco ali, sempre entre os primeiros. Como assim o Vasco? Já conquistou a Copa do Brasil, já tá na Libertadores, e vai disputar o Brasileirão? Vai. E na última rodada do primeiro turno, o Vasco só precisa vencer o “maior do mundo” para assumir a liderança.

Tirando um único lance, em que Fernando Prass faz grande defesa, o jogo é um verdadeiro massacre do Vasco. Logo no começo, o zagueiro mulambo, ruim que só ele, entrega a bola de presente pra Diego Souza. O Camisa 10 do Vascão se livra do zagueiro com extrema facilidade e toma a banda por trás quando partia em direção ao gol, livre, já na meia-lua da grande área. Cartão vermelho obrigatório. Juninho bate a falta na trave e o bombardeio continua até que, no começo do segundo tempo, o técnico Ricardo Gomes sofre um AVC durante a partida e tem de deixar o estádio numa ambulância, em estado gravíssimo. Parte da torcida do “maior do mundo” grita das arquibancadas, com sorrisos nos rostos: Vai morrer! Vai morrer!

Mesmo assistindo a uma cena dessas do gramado, sem saber se seu treinador está vivo ou morto, os jogadores do Vasco continuam dominando amplamente o adversário. Duas, três bolas na trave, o goleiro mulambo fazendo quatro, cinco defesas difíceis, um massacre sem trégua, enquanto Fernando Prass assiste a tudo do gol vascaíno, sem ser incomodado. O “melhor do mundo”? Sumiu do jogo. Desapareceu. E o massacre continua até que, no último minuto, Bernardo domina na área e é atingido direto no tornozelo, por um carrinho com os dois pés do lateral mulambo. Pênalti escandaloso. Mas o juiz não marca. Depois do jogo, todos os entendidos afirmam que de fato, não há como negar, foi pênalti, mas alguns deles resolvem censurar o vascaíno que tomou o carrinho no tornozelo. “Ele abriu demais os braços quando caiu”, dizem, e são levados a sério, e esse tema chega a ser discutido em mesas redondas, tudo dentro da maior seriedade.

Com um técnico entre a vida e a morte, sendo treinado por um interino, o Vasco vai cair de produção, dizem os entendidos. Os favoritos continuam sendo os dois de sempre, o “timão” e o “maior do mundo”, que permanece como único invicto da competição até as últimas rodadas do turno, quando toma de quatro, em casa (lembrando sempre do sentido figurativo), do Atlético Goianiense. Daí em diante a mulambada fica quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez jogos sem vencer. Perde pro Avaí, toma sacode do Bahia em casa, perde do Atlético PR num daqueles estádios de aluguel do interior e se afasta da liderança. De segundo cai pra quarto, quinto, sexto, enquanto o “melhor do mundo” distribui carrinhos, entradas desleais e reclama cada vez mais dos juízes, toda hora, a exemplo do treinador mulambo, que reclama até do juiz do jogo contra o Vasco, numa malandragem que dá gosto de ver.

O Vasco? E não é que o Vasco ainda está lá nas cabeças, disputando o título? Pra ser líder, basta ganhar do Figueirense em Florianópolis, e ganha. Faz dois gols e toma só um, mas tem um dos gols anulados. O bandeirinha inventou alguma coisa que até hoje não conseguiu explicar e anulou o gol de Elton. Já o “maior do mundo” consegue vencer finalmente. Depois de tomar um baile do lanterna em casa no primeiro tempo, consegue a virada com um gol em impedimento nos últimos anos. A torcida se ouriça toda e brada: Deixou chegar!

Mas o Vasco continua ali, e não demora para alcançar a liderança, numa goleada de 4 a 0 sobre o Grêmio, com São Januário lotado. Show de Diego Souza, Fágner, Éder Luis e cia. A liderança é mantida por quatro rodadas, até que vem o Inter em Porto Alegre. Jogo difícil, ainda mais quando o Inter faz 1 a 0 no começo do segundo tempo. Mas o Vasco reage, Diego Rosa entra driblando na área e é derrubado. Pênalti claro. Mas o juiz não marca. Logo depois, marca falta inexistente ao lado da área do Vasco. Do cruzamento, sai o segundo do Inter, que ainda faria mais um. O “timão” volta à liderança. Já o “maior do mundo” continua atrás, lá pelo quarto lugar, mas consegue outra vitória nos últimos minutos, num fla-flu, e de virada, graças a uma falta inexistente e ao tradicional pênalti do adversário não marcado. A torcida delira e berra: Deixou chegar! Depois o time empata em casa contra o Palmeiras, com mais um gol irregular. Nessa altura, já toma corpo na mídia esportiva uma estatística que mostra que em todo o campeonato, em sei lá quantos jogos, não foi marcado um pênalti sequer a favor do “maior do mundo”. Mas como? Perguntam os “entendidos”, e debatem o assunto com toda a seriedade, e não conseguem buscar ao longo de tantas rodadas um lance sequer de pênalti que deveria ter sido marcado a favor do “maior do mundo”, e o treinador continua reclamando das arbitragens, malandro toda vida.

Eis que, faltando sete rodadas para o final, o Vasco volta à liderança com uma vitória sobre o Bahia na Bahia, bela atuação de Felipe, mais um jogaço de Diego Souza. A fase é tão boa que o Vasco ganha até o Brasileiro de Showbol, com show de Pedrinho. No jogo seguinte pelo Brasileiro, em São Januário, o time pressiona o São Paulo o jogo inteiro, mas o gol não sai, até que, nos últimos minutos, Allan domina a bola dentro da área e sofre uma espécie de golpe de jiu jitsu do lateral são-paulino, que caiu por cima do meia vascaíno segurando o braço dele. O juiz manda seguir o jogo e, com o empate garantido, o “timão” volta à liderança. Enquanto isso, o “maior do mundo” tem um jogo difícil no Sul. Depois de esnobar o clube que o formou, que o auxiliou nos primeiros passos na carreira, o “melhor do mundo” volta pela primeira vez ao estádio do clube que abandonou uma vez, e que traiu uma segunda vez, quando já tinha um contrato apalavrado mas resolveu, por grana, fechar com o “maior do mundo”. O jogo promete ser muito difícil. A torcida gremista investe em várias provocações e durante a semana só se fala em como o “melhor do mundo” reagirá. E ele até começa bem, ajudando seu time a abrir 2 a 0. Mas depois some do jogo, desaparece, e o “maior do mundo” acaba caindo de quatro, de novo.

Aí vem a Copa Sulamericana, e o “maior do mundo” resolve colocar suas estrelas em campo, inclusive o “melhor do mundo”, para o jogo contra a Universidad do Chile, La U para os íntimos, e desde o ano passado o “maior do mundo” é bem íntimo da La U, porque foi eliminado da Taça Libertadores pelos chilenos, com derrota no Maracanã jogando meio tempo com um a mais, o que completou uma triste estatística: O “maior do mundo” não vence um mata-mata de Libertadores contra time estrangeiro desde 1993, quando conseguiu vencer um time venezuelano qualquer nas oitavas. E só. De lá pra cá foram quatro confrontos, contando o vexame da Sub-20 no Peru, e quatro eliminações. Mas o “maior do mundo” tem a chance da vingança. Escala o time titular no jogo de ida, em casa (sentido figurado, não esqueçam) e.... Toma de quatro. Isso mesmo. Quatro a zero. Simplesmente a maior derrota da história do futebol brasileiro para o futebol chileno em território nacional. Mais um vexame pra coleção. O Vasco? E não é que o Vasco resolveu disputar também a Sulamericana e acabou caindo nas semifinais pela mesma La U, só que por 2 a 0 fora de casa, depois de empatar em casa, com o time todo morto de cansaço e sem três titulares. Eliminação digna, numa campanha que ainda serviu para redimir um pouco o vexame do futebol brasileiro no Peru, já que o Vasco meteu cinco gols no Universitário de Lima, conquistando a classificação para as semifinais numa daquelas viradas que só o Vasco consegue. Bom pra mostrar que nem só do “maior do mundo” vive o futebol brasileiro nas competições internacionais. Ainda bem. Aliás, da Sul-americana o que fica é a frase do técnico da La U antes de enfrentar o Vasco. Questionado sobre um suposto favoritismo de La U, depois do time ter vindo ao Rio para aplicar uma goleada vexatória no “maior do mundo”, o técnico argentino que treina o time chileno foi bem claro na resposta. “Vasco não é flamengo. Se passarmos pelo Vasco atingiremos outro patamar”.

Voltando ao Brasileirão, o Vasco vai enfrentar o Santos de Neymar, Ganso e cia. O Santos não quer mais nada no campeonato, mas resolve ir de força máxima. Neymar e Ganso juntos, e os dois jogam muito. O Santos faz 1 a 0 com um gol contra de Renato Silva, em falta batida por Neymar. Ainda no primeiro tempo, o Vasco empata. Diego Souza de cabeça. Mas o juiz vê a falta mais sutil do campeonato e anula o gol, por causa de um leve roçar de braço entre Diego e o zagueiro santista. Uma falta que, se fosse marcada sempre, prejudicaria bastante a carreira de um certo imperador, cuja maioria esmagadora dos gols foi conquistada na disputa pelo alto com os zagueiros, quando várias vezes os defensores se estatelavam no chão no choque com o imperador, que sempre jogou de braços bem abertos. Nesses casos, nunca foi marcada a tal falta. Os zagueiros caíam, segundo a opinião geral, porque o imperador era forte. Diego Souza, ao que parece, não é tão forte, e o juiz resolveu anular o gol. No segundo tempo, ainda com o placar de 1 a 0 Santos, o outro zagueiro santista resolve cortar um cruzamento com o braço, dentro da área. A bola ia fugindo de seu alcance e ele estica o braço pra rebatê-la. Mas o juiz nada marca. Depois, Felipe Bastos sofre falta no ataque do Vasco, o juiz, de novo, resolve não marcar e no contra-ataque o Santos faz 2 a 0, selando a derrota vascaína.

Depois de mais uma boa vitória, dessa vez sobre o Botafogo, o Vasco volta a jogar em São Paulo, contra o Palmeiras. Começa logo fazendo 1 a 0, Dedé de cabeça. Mas cede o empate no segundo tempo. Depois parte pra cima, tentando a vitória, e poderia até consegui-la, se o juiz marcasse o pênalti sobre Felipe, que, dentro da área, passou a não conseguir se mexer, pois um defensor do Palmeiras resolveu se jogar em cima dele. Nessa altura do campeonato, a CBF já tinha transferido a festa do título do Rio, onde a cerimônia sempre foi realizada, para São Paulo, terra do “timão”. Pra completar, o presidente da entidade, El Capo Teixeira, anuncia que o novo manda-chuva da CBF, abaixo apenas dele na hierarquia da confederação, será... o presidente do “timão”. Enquanto isso o Vasco tem mais dois gols legais anulados, um contra o Avaí e outro contra o Fluminense, mas chega à ultima rodada ainda brigando pelo título, apesar da situação difícil. Quando chega dezembro, o Vasco precisa vencer o “maior do mundo” e torcer para que o “timão” perca para o Palmeiras para ser campeão brasileiro. O “maior do mundo”? Não tem mais chance de título há algum tempo. Depois de ser exaltado como favorito ao título durante meses, depois de sua torcida gritar Deixou chegar! algumas vezes, depois das vitórias sofridas, sempre com um golzinho em impedimento, com um pênaltizinho não marcado para o adversário, o "maior do mundo" chega ao fim do ano com o incontestável título de maior cavalo paraguaio da era dos pontos corridos. Precisa de um empate pra garantir uma vaguinha na pré-Libertadores, ou de uma vitória e de uma derrota do Fluminense para entrar direto na fase de grupos da competição. E só.

Lembram do primeiro jogo? Do juiz que não marcou o pênalti escandaloso no último minuto? Acreditariam se eu dissesse que o mesmo juiz foi escalado para o segundo jogo entre o Vasco e o “maior do mundo”? Pois foi. E se eu dissesse que o mesmo juiz, de novo, deixou de dar um pênalti escandaloso a favor do Vasco? Contando ninguém acredita, né? Mas foi isso mesmo que aconteceu. Diego Souza entrou na área pronto pra chutar e sofreu um puxão de camisa daqueles de anúncio de gelol. O tal do Willians, jogador que, acreditem, chegou a ser cotado para a seleção, sequer se preocupou em tentar ser discreto. Esticou o braço todo, agarrou na camisa do vascaíno desesperado e puxou com força, com tanta força que o Diego Souza caiu para trás. E o juiz, o mesmo juiz que não deu o outro pênalti escandoloso no outro jogo, não marcou nada de novo. Update: O tal juiz, ao fim da temporada, recebeu o escudinho Fifa. Outro juiz, que perdeu o tal escudinho, saiu esbravejando denúncias sobre favorecimento da arbitragem a determinados times, entre eles citou explicitamente o "timão". As denúncias já caíram no vazio.

Mas mesmo assim, de novo, mais uma vez, o Vasco dominou amplamente o “maior do mundo”. Fez 1 a 0 com o mesmo Diego Souza, de cabeça, e só não foi para o intervalo com um placar mais elástico por capricho, e por causa do pênalti não marcado, lógico. Ainda no primeiro tempo, mais dois lances chamaram a atenção com relação à arbitragem. No primeiro, Jumar tomou cartão amarelo por uma falta que não existiu. No segundo, o mesmo Willians do pênalti se jogou na direção de Felipe quando este partia para um contra-ataque. Willians não achou nada, se jogou no vazio sem encostar em Felipe e se estatelou no chão. O meia vascaíno se viu livre, com a bola dominada e com várias opções de passe, com a defesa mulamba batendo cabeça, sem saber para onde correr, até que o juiz, rápido como só ele, soprou o apito e seguiu uma antiga tradição entre os árbitros brasileiros, sobretudo os do Rio de Janeiro, inventando mais uma falta a favor do “maior do mundo” e livrando a defesa mulamba do perigo de gol. O cartão amarelo do Jumar? Virou uma expulsão no começo do segundo tempo, numa falta que merecia apenas o cartão amarelo. Como foi o segundo cartão, graças àquele primeiro inventado do primeiro tempo, o Vasco se viu, mais uma vez na história dos confrontos com o “maior do mundo”, com um a menos em campo, isso logo depois do gol de empate do “maior do mundo”, numa jogada que, à primeira vista, pareceu impedimento. O tira-teima da Globo mostrou que o Deivid estava na mesma linha de um zagueiro vascaíno. De qualquer maneira, foi um gol muito mais anulável do que qualquer dos seis tentos legítimos do Vasco anulados na reta final do Brasileirão.

Com um a mais, o “maior do mundo” bem que poderia tentar a vitória. Bastava um gol contra o Vasco e mais um do Botafogo contra o Fluminense (estava 1 a 1 lá também) para pular de fase na Libertadores. Em vez de se classificar pra pré, passar direto pra fase de grupos e trocar de lugar com os tricolores. Mas o “maior do mundo”, mesmo com um a mais em campo, preferiu segurar o resultado. O goleiro mulambo fazia cera sempre que tinha oportunidade para isso. Com o empate entre o “timão” e o Palmeiras, e o apito final no Engenhão, o Vasco perdeu o campeonato brasileiro. Depois de perder seu técnico no meio do campeonato, de ter seis gols legítimos anulados e seis pênaltis a seu favor não assinalados pelos árbitros, que poderiam dar à equipe, no barato, mais doze pontos, o Vasco termina a competição em segundo lugar, a dois pontos do campeão. Enquanto isso, depois de passar todo o campeoanto sonhando com o título, depois de gritar Deixou chegar por várias semanas, toda vez que o time conseguia uma vitoriazinha, e depois de ver seu time chegar a lugar algum, provando mais uma vez, de novo, que o melhor slogan para definir o “melhor do mundo” seria Deixou chegar, tem que entregar, a torcida mulamba sai do estádio feliz da vida. Em menor número no estádio, até tenta “sacanear” os vascaínos com a tal história do vice que eles tanto adoram – ainda que tenham mais vices que o Vasco, ainda que o time deles seja mais vice do Vasco do que o Vasco é dele –, mas é abafada pelo gritos de incentivo da torcida vascaína aos seus jogadores, como reconhecimento da brilhante temporada do time, campeão da Copa do Brasil, garantido na fase de grupos da Libertadores. De qualquer maneira, os torcedores do “maior do mundo” vão as ruas celebrar ao fim do campeonato, e celebrar pelo simples fato de o Vasco não ter sido campeão. O “melhor do mundo” também tenta tripudiar dos vascaínos. Depois de completar seu nono ou décimo clássico em branco, sem marcar um golzinho sequer, ele desce os degraus para o vestiário gesticulando para a torcida vascaína. E depois diz que quer ficar no “maior do mundo” para o ano que vem. Em janeiro, logo na volta das férias, o “maior do mundo” enfrentará um time boliviano por uma vaga na Libertadores. Vem mais coisa boa aí.

O Vasco entrará direto na competição em fevereiro, na fase de grupos, graças a um time que, ao longo do ano, jogou muita bola, e aqui vai uma ligeira resvalada no pessoal, um agradecimento especial a Fernando Prass, Allan, Fágner, Dedé, Anderson Martins, Renato Silva, Jumar, Rômulo, Eduardo Costa, Felipe, Juninho Pernambucano, Diego Souza, Éder Luis, Alecssandro, Felipe Bastos, Bernardo, Élton, Ricardo Gomes, Cristóvão e cia, por fazerem do Vasco um dos melhores times do país no ano do nascimento do filho deste torcedor insano. Dante chegou na quarta-feira, 22 de junho de 2011, exatos quinze dias depois da melhor de nossas derrotas, na fria e inesquecível noite de Curitiba. Nasceu campeão, como o próprio Vasco.

Amigos de infância

Eles eram tipo melhores amigos desde moleques. Torciam também para o mesmo time e jogavam bola, muita bola. Começaram juntos, lá pelos seis, sete anos de idade, no futebol de salão do Vasco, muito antes do futsal. Os dois eram canhotos e não subiram para o profissional exatamente ao mesmo tempo. O Pedrinho um pouco antes, em 1995, quando num ano irregular, sem conquistas, participou ao menos de uma virada histórica, mais uma, dessa vez no Mineirão, contra o Cruzeiro, de 0 a 2 pra 3 a 2, com gol da vitória do Valdir, o Bigode, aliás, golaço. Mas se firmar mesmo no time titular o Pedrinho só se firmou quando subiu o Felipe, em 1997. Os parceiros de infância puderam, então, vivenciar o sonho de qualquer garoto. Jogando juntos pela esquerda os dois ganharam Brasileiro, depois Carioca e a Libertadores no Centenário, maior título da história do clube junto com o Sul-Americano de 1948, do Expresso da Vitória, no Cinquentenário.

Criados dentro de uma mesma filosofia de Vasco, dos seis, sete de idade aos vinte e poucos, os dois também voltaram no fim de suas carreiras, quando era outra a gente que comandava o clube, com outra filosofia de Vasco, se é que tinham alguma. O Pedrinho voltou antes, na inacreditável campanha do nosso primeiro rebaixamento, em 2008, o mesmo time em sexto em 2006, a um travessão da Libertadores graças à falta de estrela de um traíra; sustentando G4 por dezenas de rodadas até cair de rendimento e terminar lá pelo décimo lugar, sem nem sequer flertar com zona de rebaixamento em 2007; e no ano seguinte, depois de ficar na semifinal da Copa do Brasil, nos pênaltis, após ter um gol legal anulado, do mesmo traíra sem estrela do travessão de 2006, estava em nono no fim do primeiro turno, até que assumiu a nova diretoria com apoio maciço da imprensa "especializada", tudo pela transparência, pela democracia ainda que sem votos, e pelas mãos do Judiciário estadual.

O técnico campeão da Libertadores, do Brasileiro, da Rio-São Paulo e de uns três cariocas, pelo menos, foi demitido e no lugar dele entrou um ex-jogador que à época empresariava jogadores, e que passou a pedir a contratação de seus pupilos, um deles reserva na segunda divisão, outro brigando por vaga no time, agradando muito o treinador, sim, na terceira, e todos ganhando dezenas de milhares de reais por mês. E o grande reforço apresentado pela nova diretoria, de peso, foi o zagueiro Fernando, que tinha feito "fama" no Flamengo. O time então foi caindo, caindo, e quando o técnico empresário foi demitido já estava em situação muito difícil, a chafurdar havia três, quatro rodadas na até então mui pouco frequentada zona de rebaixamento. No meio desse processo, o Pedrinho voltou pra ser pouquíssimo utilizado, obrigado a assistir do banco à derrota em casa que sacramentou a queda, e nenhuma outra imagem, na modesta opinião de quem escreve, reflete mais fielmente a tristeza do torcedor vascaíno naquele momento do que o choro solto, à beira do convulsivo, do Pedrinho na beira do gramado, já com as três substituições feitas, com o uniforme do time e aos prantos, ele que foi dispensado pela diretoria moderna, transparente, democrática, e era nome certo na seleção dez anos antes, convocado já, quando sofreu a entrada do cruzeirense que mudou tudo na sua carreira, pra pior. Pouco mais de quatro anos depois do rebaixamento, o Pedrinho teve ao menos um afago da diretoria da queda, que viria a cair de novo naquele ano do jogo de despedida dele, 1 a 0 contra o Ajax de Amsterdã em São Januário, uma bela festa pra quem tinha conseguido fazer história mesmo nos seis anos de zorra total na administração do Vasco. Foi no Brasileiro de Showbol, organizado pelo Djalminha, transmitido sempre com festa pelo Sportv e quase todo ano com o Flamengo campeão, até que o Pedrinho, em 2011, entrou numa de ganhar o tal Brasileiro de Showbol, e ganhou, jogando muito e tirando muita onda. Na lista de campeões brasileiros de Showbol, do Djalminha, tá lá agora, desde 2011, o nome do Vasco, e graças ao campeão do Brasileiro de verdade, da Libertadores no Centenário, do Carioca também, e da Mercosul, ainda que nessa não tenha participado da maior virada da história do futebol, na virada do milênio.

O Felipe fez ainda mais no retorno ao Vasco. Beneficiado pela montagem do último grande time do clube, por enquanto, chegou de volta em 2010 e no ano seguinte se tornou o jogador mais vitorioso da história do clube, com a Libertadores e o Carioca no Centenário, os Brasileiros de 97 e 2000, a Mercosul de 2000, os dois últimos sem jogar muito, a Rio São-Paulo de 99 e a Copa do Brasil de 2011. Na Libertadores do ano seguinte, o time iria decidir a vaga com o Corinthians nos pênaltis, se não tivesse seu gol legal anulado pelo mesmo bandeirinha que, na semifinal, fazia círculos de spray de felicidade diante da iminente classificação do Timão à sua primeira final, e aqui nem vamos falar da tosca manipulação de tira-teimas televisivos pra endossar mudanças de opinião de narradores e comentaristas de arbitragens, exibidos com quarenta minutos de atraso pra provar em linhas tortas, ridiculamente tortas, que o gol "na verdade" não tinha sido legal, não. Com a eliminação veio o desmanche, isso quando o time, mesmo recheado de reservas por causa da Libertadores, arrancou no Brasileiro com quatro vitórias seguidas e brigava pela ponta da competição quando saiu Diego Souza sem o clube ver um centavo, ao contrário do empresário e de dirigentes que tinham "investido" no jogador. Saíram também Rômulo, Allan, Fágner, já tinha saído Anderson Martins bem antes e o time ficou fora até do G4. Na virada do ano, saiu Fernando Prass, Dedé sairia antes do fim do Carioca e mesmo vendendo, se desfazendo de tanta gente o clube não tinha dinheiro, a diretoria alegava cofres sempre vazios e o presidente, um ex-ídolo, foi abandonado por seus vices, toda a diretoria que o elegera, que permanecera com ele na reeleição carregada de mais suspeitas ainda que o primeiro "pleito", se é que isso é possível, todos saíram pra ficar apenas os profissionais, "altos executivos".

Juninho também tinha saído, pra Nova York, e Felipe disse que ficaria, queria ficar, mas não resistiu, não conseguiu ficar de boca fechada diante da nova contratação "de peso" do presidente, ex-ídolo. Por algo entre 200 mil e 300 mil reais por mês, o presidente dos cofres vazios contratou mais um "alto executivo", no caso um ex-treinador cujo maior feito na carreira tinha sido, e continua sendo, a classificação da Jamaica para a Copa do Mundo num ano em que os Estados Unidos não disputaram as Eliminatórias. Perguntado a respeito, Felipe disse o óbvio, que era melhor usar o salário de mais esse "alto executivo" pra trazer algum jogador de qualidade, que pudesse dividir com ele a tarefa de carregar um time enfraquecido por demais, já sem goleiro. Como sua primeira grande "intervenção" o novo "alto executivo", rígido, severo, decidiu demitir Felipe, que foi encerrar a carreira no Fluminense, naquele ano mesmo. O "alto executivo" pode então continuar seu trabalho sossegado, sem desrespeitos à hierarquia como aquele, e contratou Sandro Silva, por muito dinheiro, e o goleiro Michel Alves, por menos, e decretou que o Vasco estava bem servido de goleiros, dispensando de cara sondagens como do velho Dida, que naquele Brasileiro viria a salvar a Portuguesa do rebaixamento, no campo, antes da tal história mal contada até hoje, que livrou da degola a dupla da moral e dos bons costumes enquanto o Vasco, há meses já sem o "alto executivo", dispensado com o time na zona de rebaixamento, caía num jogo sem policiamento, com batalha campal entre torcidas organizadas e, nas mesmas arquibancadas, torcedores avulsos de cabeça branca do Vasco tomando pescoções enquanto tentavam se afastar da briga.

Parentes de jogadores do Vasco estavam na arquibancada, e mesmo assim, sem policiamento, com seguranças de boate, poucas dezenas deles, elegantes e desarmados, pra resolver a pancadaria generalizada, a diretoria do Vasco não tirou o time de campo. Desconhecedora do regulamento, não sabia que, se tirasse, haveria no mínimo outro jogo, em outras circunstâncias. Não tirou, e o clube caiu mais uma vez, dessa vez sem "herança maldita".  Mas há seis dias, exatamente, com a posse do novo velho presidente de sempre, quem caiu de vez foi a diretoria dos últimos seis anos, dos dois rebaixamentos, da perda do centro de treinamento, da champs, das prorrogações de mandato por liminar, da morte de um menino no "CT" terceirizado das categorias de base, do "rugby soçaite" das Olimpíadas e de tudo mais que aconteceu nesse período difícil. Volta agora a filosofia de Vasco que formou Pedrinho e Felipe, e que formou também Romário, Edmundo, Carlos Germano, Mazinho, Bismarck, Willian, Sorato, Alan Kardec, Jardel, Alex Teixeira, Phillippe Coutinho...

Monumental

Vasco e Real Madrid, final do Mundial Interclubes, Tóquio. Aos dez do segundo tempo Luizão chuta cruzado de dentro da área, da esquerda, o goleiro defende e a bola sobe que nem balão pra descair lá do outro lado, na quina da grande área. Juninho espera ela descer, no tempo dela, e domina uns dois centímetros antes do quique, e no que domina, no mesmo único toque, mete entre as pernas de um volante argentino chamado Redondo, que chegava junto na marcação. No que mete entre as pernas do Redondo, o Juninho bota na frente, sai dele e, já dentro da área, no segundo toque, mete a trivela no ângulo do goleiro Ilgner, titular da Alemanha campeã do Mundo em noventa. 

Gol do Vasco. Golaço, e mais um de Juninho, mais um do cara do Monumental, do Mineirão, de Lyon e de São Januário, que encerrou oficialmente a carreira ontem, considerado por muitos, entre outras virtudes e títulos, como o maior batedor de faltas de todos os tempos. Entre elas, graças a Deus, a mais importante da história do muy amado Club de Regatas Vasco da Gama, o petardo da intermediária que subiu pouco, só pra enganar o goleiro e morrer estufando a redinha vermelho e branca de nossos velhos fregueses, desde quarenta e oito. Outro golaço, simplesmente monumental.

E como podia um torcedor abnegado, sempre presente, mais dos quinze aos vinte e tanto, nem tanto aos trinta, e de novo toda hora lá, na social de São Janu, depois dos trinta e nove, quando o Juninho voltou ao Vasco, como podia esse torcedor abnegado nunca ter presenciado um gol de falta do melhor batedor do mundo? Pois não tinha mesmo, jamais, ele que se lembra do primeiro gol do cara pelo time, na tevê de vinte polegadas, ao vivo.

Cinco a três no Santos em plena Vila Belmiro e o dele, se não falha a memória, foi o quarto, da quina da área de novo mas da esquerda, e de fora dela. Um toque de chapa tirando do goleiro, na costura lateral da rede, e depois ele ainda demorou pra se firmar como titular. Oscilou dois anos e foi campeão brasileiro, e continuou oscilando entre o banco e o time titular até o gol monumental, num jogo em que, aliás, ele tinha começado no banco.

Depois veio a Rio-São Paulo, com Maraca lotado nas semis e finais e ele regendo a massa, fazendo o time jogar e ainda metendo gol como, inclusive, o do título, que não foi de bola parada. Uma arrancada no fim do jogo, da intermediária até dentro da área e o chute no alto. Dois a um em cima do Santos, de novo o Santos, mas dessa vez no Morumbi.

E no ano dois mil, na virada do milênio, a virada inacreditável na Mercosul, as três porradas no peito e o primeiro gol na final do Brasileiro, tudo de primeira, todos com o SBT na camisa, no dia do aniversário do torcedor abnegado que, lógico, estava lá no Maraca, atrás do gol, vendo o Juninho Paulista tocar pro Romário e o Romário só ajeitar pra trás, de leve, de primeira, pro chute também de primeira do Juninho Pernambucano, no ângulo de novo, e Pernambucano por causa do Paulista, que também fez história no Vasco como, entre outros títulos e virtudes, o melhor em campo na maior virada da história do futebol.

Aí o Juninho, o Pernambucano, saiu. Foi pra França ser heptacampeão francês em oito anos pra depois voltar pra casa, e se não fossem as arbitragens de sempre faria história mais uma vez como campeão brasileiro. Saiu de novo um ano depois pra voltar pro encerramento, no ano passado, e nesse jogo da volta estava lá na social de São Januário o torcedor abnegado, aos quarenta e um, e aos oito do primeiro tempo o Juninho ajeitava a bola pra uma falta da intermediária no gol do milésimo, de cara pra estátua do Baixinho.

O chute foi forte mas no meio do gol e à meia altura. Só que a bola quicou na pequena área e desviou do coitado do goleiro. Mais frango que golaço, sim, mas gol, gol de falta do maior batedor de faltas do mundo de todos os tempos, in loco, no estádio, e o torcedor abnegado pode, enfim, comemorar mais essa, e uns meses depois celebrar mais ainda, quando ficou estabelecido, para todo o sempre, que aquele gol de falta contra o glorioso Criciúma tinha sido não só o último de falta como o derradeiro entre todos os trezentos e quarenta e cinco marcados pelo cara do Monumental, do Mineirão, de Lyon, de São Januário...

...E de Tóquio, sim, e foda-se a derrota, até porque já temos uma vitória muito mais importante contra o maior Real de todos os tempos, penta europeu, com Di Stefano (outro freguês, desde quarenta e oito) etc., que além de tudo foi o primeiro título do futebol sul-americano em solo europeu, o primeiro Torneio de Paris, e sem Bellini, que jogava um torneio no Maraca ao lado de Pelé, que fazia seus primeiros gols no maior estádio do mundo com a camisa do Vasco, aos dezessete anos...

Parabéns ao Juninho, e um muito obrigado por tudo, principalmente pelo gol mais importante dessa história toda, junto com a cabeçada do Friaça contra o Colo Colo, que garantiu a vantagem do empate contra o River Plate e, com isso, o primeiro título continental da história do futebol, para todo o sempre, e tome história e viva o Vasco e viva Juninho, o Pernambucano, mas também o Paulista, o Mauro Galvão, o Odvan, o Orlando Peçanha, o Orlando Lelé, o Mingote, o Domingos da Guia, o Leônidas da Silva, o Ademir de Menezes, o Heleno de Frias, o Lelé, o Barbosa, o Eli, o Rafagnelli, o Chico, o Maneca, o Jaguaré, o Fausto, o Zé do Carmo, o Jorge, o Marco Aurélio, o Bismarck, o Mazaropi, o Zé Mário, o Abel, o Ipojucã, o Danilo, o Jorginho Carvoeiro, o Acácio, o Donato, o Augusto, o Moisés, o Oitenta e Quatro, o Fontana, o Mola, o Brito, o Isaías, o Arlindo, o Andrada, o Fernando (barbudo), o Bolão, o Sorato, o Nelson, o Alcir, o Mazinho...

Ah! É Edmundo!

Imagine-se com vinte e cinco anos de idade e torcedor apaixonado de um determinado time. Imagine que este time seja, no momento, o melhor do país e um dos melhores do planeta, com um goleiro de alto nível, um zagueiro veterano simplesmente imbatível, um lateral-esquerdo imarcável – amigo de infância do ponta-de-lança promissor, ambos com dezoito anos –, um meia de passe perfeito, que ainda faria o gol mais importante da história do clube, e um atacante em fim de carreira que lembrava, no físico, no jeito de jogar e nas cobranças de falta, o sujeito que marcou mais de setecentos gols com a camisa do time, e que além de maior artilheiro da história do campeonato carioca, é também o maior do Brasileirão, em todos os tempos. Imagine agora que o grande craque desse time campeão brasileiro não é nenhum desses caras, mas sim outro atacante; e que, além de quase a mesma idade, este outro atacante tem o mesmo nome do torcedor apaixonado de vinte e cinco anos.

Imagine-se então no Maracanã lotado, num jogo decisivo contra o maior rival, numa situação parecida com outra, de cinco anos antes, decidindo vaga na final do brasileiro, quando o torcedor, então com vinte anos, também estava no estádio. Há cinco anos, o Xará era a maior revelação do campeonato e já tinha feito o rival cair de quatro na fase de classificação. No jogo decisivo, quando estava no chão, caído após sofrer falta não marcada pelo juiz, o Xará foi atingido por um soco na cara. Estava estirado, com o rosto voltado pro chão, e levou um soco sem a menor chance de defesa, do zagueirão malandro, então um dos ídolos do rival. O zagueirão malandro não levou nem amarelo pela agressão covarde, que, vá entender, é lembrada e celebrada por torcedores do rival. Levou amarelo apenas quando, último homem, deu uma banda por trás no craque do time, que viria a ser o artilheiro do campeonato e partia sozinho na cara do gol. Não foi expulso. Ficou em campo até o fim da partida. Expulso, mesmo, só um zagueiro do time, que além disso viu seu lateral-esquerdo sair de campo contundido para voltar com o braço enfaixado, colado ao corpo. E com um a menos e outro sem um dos braços, o time acabou perdendo por dois a zero, jogo duro até o final, e o rival foi pra decisão, comemorando, entre outros “feitos e glórias”, a agressão covarde do zagueirão malandro.

Voltemos, pois, aos vinte e cinco de idade do torcedor e imaginemos que, no começo da revanche daquela partida, com menos de quinze do primeiro tempo, o Xará tabela com o atacante em fim de carreira e passa em disparada por toda a defesa do rival, incluindo o goleiro e o zagueirão malandro, que continua por lá, ainda ídolo. Enquanto todos os defensores batem cabeça, o Xará só não entra com bola e tudo porque tem humildade em gol e sai em disparada na comemoração, provocando a torcida adversária como o mais apaixonado dos torcedores. No fim do primeiro tempo, o time, pela milionésima vez na história do confronto com o rival, tem um jogador expulso, e volta do intervalo com um a menos e a vantagem do empate.

A impressão é que o rival virá com tudo para o segundo tempo e eles até tentam, mas sofrem os contra-ataques. Num deles, em lançamento do meia de passe perfeito, monumental, o Xará e o zagueirão malandro correm juntos enquanto a bola descai, já na entrada da grande área. Os dois correm lado a lado, um pouco à frente dela, esperando a altura ideal para interceptá-la ou dominá-la e partir em direção ao gol, mas a bola não quica no chão, não ainda. Antes disso, bate com capricho de deusa nas costas do Xará e tira do lance não só o zagueirão malandro mas também o goleiro, que já saía desesperado. A bola então, claramente apaixonada, se oferece na frente do Xará com o gol escancarado; e no Maraca, aos vinte e cinco de idade, o torcedor começa a enlouquecer de alegria, junto com a maioria mais que absoluta da torcida presente.

A festa da vitória não é abafada nem pelo gol do rival, no milionésimo pênalti “polêmico” marcado a favor deles na história do confronto. O zagueirão malandro bateu e converteu, em lance destinado ao esquecimento, não só pelo que já tinha acontecido na partida, mas sobretudo pelo que estava por vir. Àquela altura, o Xará já tinha batido o recorde de gols num só jogo, seis, superando o próprio artilheiro histórico do time, que enfiara cinco de uma vez só num certo timão. Artilheiro do campeonato, sem chance de ser alcançado, o Xará estava a três gols do recorde absoluto em uma edição de Brasileirão. Com os dois marcados na partida, já tinha igualado e estava a um gol apenas de superar a marca quando dominou a bola dentro da área, na frente do lateral adversário e do zagueirão malandro. Daí levou para o meio com a direita, como quem iria chutar, mas na hora do chute cortou de letra com a direita, deixando o lateral e o zagueirão malandro com ares de vilão de comédia muda, virados para um lado com a bola do outro, na medida para o chute rasteiro de canhota, no cantinho, devagarinho, e lá se foi um recorde prestes a completar vinte anos. O Xará então saiu balançando os braços, rebolando, fazendo careta, sacaneando, esculachando; e na arquibancada, aos vinte e cinco, o torcedor pulava pelos degraus abraçado com desconhecidos, ele que já tinha presenciado, na mesma arquibancada, seis anos antes, um gol de placa do Xará sem nem saber de quem se tratava, na preliminar de juniores de um clássico pelo carioca.

O Xará não era nem titular dos juniores. Entrou no segundo tempo da partida e dominou a bola no círculo central, para partir em disparada driblando um, dois, três, quatro e, de frente pro goleiro, tocar no canto, sem defesa, sem que ninguém entre os milhares de torcedores presentes ao estádio sequer soubesse o nome dele, porque ele só começou a ficar famoso uns seis meses depois, na estreia no time principal, quando ajudou a meter quatro no tal timão dentro do estádio dele. Campeão carioca invicto, na despedida do artilheiro histórico, partiu para seguir carreira, sempre voltando ao time, declarando amor ao time, perdendo pênaltis contra o time e sendo ovacionado no estádio do time, pela torcida do time, marcando golaços em jogos de suma importância, como na vitória inesquecível sobre o campeão europeu no Maraca, pelo Mundial de Clubes, e protagonizando grandes tragédias, como na final do mesmo Mundial, contra o rival sem título continental. E o Xará sofria como poucos nas derrotas. Após outro pênalti perdido, numa semifinal de Copa do Brasil, depois de fazer o gol salvador no último minuto do tempo regulamentar, em que o time teve um gol legal anulado, raspou a cabeça e decidiu abandonar o futebol. Mudou de ideia para seguir até o fim do ano, tentando evitar a queda esperada por todos, do jornalista recalcado à grande emissora de televisão, dos rivais de sempre à confederação brasileira de futebol. Mesmo fazendo treze gols aos trinta e sete de idade, consolidando de vez a terceira colocação como maior goleador da história do Brasileirão, a apenas dois gols do ex-amigo também formado pelo time, e bem na frente do maior ídolo do rival, o Xará não conseguiu evitar a queda. Encerrou a carreira ali, com mais uma dura derrota, mas há exatos doze dias, pouco mais de três anos depois da queda, teve a despedida que sempre mereceu.

No estádio do time, lotado por milhares de torcedores do time, o Xará jogou sua última partida com a camisa do time. Ovacionado sem parar, cantou o hino do time junto com os torcedores e os colegas de equipe, entre eles o meia da cobrança de falta mortal, monumental. Fez dois na goleada de nove a um, um de pênalti e outro de voleio, de primeira, e depois desse, após os cumprimentos de praxe dos companheiros, saiu balançando os braços, rebolando e sorrindo, lembrando aquela noite mágica no Maracanã em que o torcedor apaixonado de vinte e cinco anos rolava pela arquibancada de pura felicidade, e gritava seu próprio nome com todas as forças, já rouco, ensandecido.

Ah! É Edmundo!

A matéria abaixo, assinada também pela Rosângela Honor, mostra um pouco do que enfrentou o xará ao longo da carreira. No caso, já de volta ao Vasco, pagava por um erro cometido quando defendia as cores de exu. Coincidência?

Revista Istoé Gente, edição número 10, de 13 de outubro de 1999

No regime semi-aberto, o condenado tem de se apresentar na prisão até às 22h, de onde só sai no dia seguinte. No caso do atacante vascaíno, a Justiça poderá levar em conta os horários dos jogos e liberar o craque até por alguns dias, para as partidas disputadas fora do Rio.

A última terça-feira, 5 de outubro, parecia mais um dia rotineiro na vida do atacante Edmundo Alves de Souza Neto, 28 anos. De manhã, ele foi à concentração do Vasco, no hotel Rio Othon, em Copacabana, fez musculação e ficou sabendo que seria poupado do jogo do time naquele dia, contra o Cerro Porteño, do Paraguai, pela Copa Mercosul, porque o time já não tinha mais chances na competição. O jogador ainda almoçou com os companheiros antes de voltar para casa. Por volta das 15h15, porém, um telefonema do advogado Arthur Lavigne mudou seu trajeto. O Tribunal de Justiça do Rio tinha acabado de manter a sentença da 17.ª Vara Criminal, que em março condenara o jogador a quatro anos e meio de prisão, em regime semi-aberto. Ele foi considerado culpado por ter provocado a morte de três pessoas no acidente com o Cherokee que dirigia na madrugada de 2 de dezembro de 1995, na Lagoa, zona sul do Rio.
Um acordo entre o vice-presidente jurídico do Vasco, Paulo Reis, e o diretor da Polinter, delegado Cláudio Nascimento, evitou que o jogador fosse preso na terça-feira. Enquanto isso, o advogado do atacante, Arthur Lavigne, tentava conseguir um habeas-corpus para seu cliente no Superior Tribunal de Justiça. No mesmo dia, instruído por seus advogados, Edmundo não apareceu em casa, num luxuoso condomínio na Barra, zona oeste da cidade.
Na noite do acidente, Edmundo e alguns amigos seguiram para a boate Sweet Home, na Lagoa, onde encontraram Joana Martins Couto, 16, e sua amiga Déborah Ferreira da Silva, então com 21 anos. Barrada na boate naquele dia, Joana ainda hesitou em aceitar a carona oferecida por Edmundo até o bar El Turfe, na Gávea, mas foi convencida por Déborah. Na esquina da avenida Borges de Medeiros com a rua Batista da Costa, na Lagoa, o Cherokee do atacante se chocou com o Fiat Uno cinza dirigido por Carlos Frederico Pontes, 24. O carro de Edmundo capotou várias vezes e ficou com as rodas para o ar, enquanto o Fiat foi jogado a uma distância de 30 metros e colidiu com um poste. Carlos Frederico morreu na hora. A namorada dele, Alessandra Cristina Perrota, 20, e Joana morreram algumas horas depois, no hospital Miguel Couto.
Déborah quebrou a bacia, a quinta vértebra da coluna e quase ficou paraplégica. Ela ainda está se recuperando do acidente. "Levei quase dois anos para voltar à vida normal", diz Déborah, que teve de largar o emprego de vendedora na loja Blue Man, em Ipanema, e perdeu as provas do vestibular naquele ano. Além das duas amigas, também estavam no carro do atacante do Vasco o empresário Marckson Gil Pontes, 31, e a estudante Roberta Campos, 19. Os dois ficaram levemente feridos, assim como Natasha Marinho Ketse, 19, que estava no Fiat Uno. A mãe de Joana, Eliane Artiaga Martins, 47, assistiu ao julgamento de terça-feira 5 na 6.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça e aplaudiu a decisão dos desembargadores Eduardo Mayr, Erié Sales da Cunha e Maurício da Silva Lintz. "Pensei que iria encontrar uma pessoa arrependida, mas não foi isso que aconteceu", diz Eliane.
Os advogados das vítimas, Técio Lins e Silva e Avelino Gomes, garantem que, mesmo que o habeas-corpus seja concedido pelo STJ, Edmundo dificilmente escapará da prisão. "A sentença não feriu preceito algum da Constituição e, por isso, dificilmente será revogada", diz Técio, que representa a família de Joana.
O recurso ao Superior Tribunal de Justiça é a única alternativa que resta à defesa de Edmundo. Quando chegar ao tribunal superior, serão três as possibilidades. O STJ poderá se recusar a apreciá-lo, manter a decisão da Justiça do Rio ou modificar a sentença. A última possibilidade, no entanto, é considerada remota, já que a decisão do Tribunal de Justiça do Rio foi unânime. Se a sentença for mantida, Edmundo terá de cumprir no mínimo nove meses - um sexto da pena - até ter direito à liberdade condicional, em caso de bom comportamento. Sem curso superior, ficará em uma cela comum caso venha a ser preso. Se isso acontecer, ele dependerá do juiz da Vara de Execuções Penais para continuar jogando pelo Vasco. No regime semi-aberto, o condenado tem de se apresentar na prisão até às 22h, de onde só sai no dia seguinte. No caso do atacante vascaíno, a Justiça poderá levar em conta os horários dos jogos e liberar o craque até por alguns dias, para as partidas disputadas fora do Rio. 
O acidente já proporcionou outras condenações, em ações cíveis movidas pelas vítimas. Déborah recebeu R$ 100 mil, mas seus advogados ainda cobram R$ 60 mil estabelecidos pela sentença. Roberta Campos entrou em acordo e recebeu três parcelas de R$ 40 mil. A família de Joana Martins Couto ganhou uma indenização de mais R$ 300 mil, mas não recebeu um centavo porque a sentença ainda está em fase de execução. O atacante também foi condenado a pagar R$ 227 mil à família de Alessandra Perrota - em processo no qual poderá ter sua mansão penhorada para garantir o pagamento da indenização. A família de Carlos Frederico Pontes ainda aguarda uma decisão da Justiça no processo que move contra Edmundo.

Romário

Quando se tinha treze anos, ainda mais em 1985, poucos programas eram mais atraentes do que passar a tarde de sábado na casa do amigo que tinha alugado duas máquinas de fliperama. A não ser que, já na casa do amigo, no meio da segunda corrida de auto-pista – entre uma batida na traseira de um retardatário e algumas derrapadas no gelo –, aparecesse o primo mais velho dele, com duas cadeiras cativas do Maracanã, e perguntasse quem queria ver Vasco e Bangu.

Poucos minutos depois, mãe devidamente avisada pelo telefone, estávamos no vagão do metrô, eu e o primo do amigo, o magnânimo Guimba, rumo à linha dois.

O Bangu era time grande. Disputou até final do Brasileiro naquele ano e tinha no elenco, além de Mococa e Gilson Gênio, um sujeito chamado Mauro Galvão, que viria a gritar Casaca embaixo da Libertadores, no centenário. O Vasco não ganhava deles há três anos e nada mudou depois daquele 1 a 1. Tomamos 1 a 0 no início do segundo tempo, Vítor contra, se não me falha a memória, e empatamos uns quinze minutos depois, num gol que talvez seja o mais repetido na história do futebol mundial.

Roberto Dinamite, nosso artilheiro maior, veterano, cabelo branco, enfia com açúcar da meia-lua pra dentro da área, lado direito da defesa, e um garoto recém saído dos juniores, que despontava como artilheiro da Taça Guanabara na quarta ou quinta rodada, surge em diagonal da esquerda e... Bem, aí o goleiro sai, o cara toca de bico, de direita, a bola morre no canto, meio devagar, suave, aquela coisa toda que já virou banalidade há algum tempo.

Só no ano passado, quando o Romário estava para fazer o milésimo, é que percebi, examinando a listagem dos gols, que aquele contra o Bangu tinha sido o primeiro dele no Maracanã como profissional. E como sou dado a atitudes nada racionais quando o assunto é futebol, e estava satisfeito com o fato de vê-lo com a camisa do meu time de novo, no fim da linha, resolvi que teria de assistir também, in loco, o último gol dele no Maraca. Não porque o cara surgiu para o futebol na Colina Histórica, nem porque ele, além da Copa de 94, foi fundamental na conquista de outro tetra, esse restrito aos torcedores de um determinado time, que vem a ser também o primeiro campeão continental do planeta.

Depois de Pelé, Romário foi o único jogador que realmente transcendeu quaisquer paixões clubísticas. Dentro de campo, foi unanimidade, motivo de clamor popular pelo menos até os 36 anos de idade, como mostra a matéria lá embaixo. Ninguém implicou com seu peso, ninguém jamais colocou em dúvida sua capacidade em jogos decisivos, ninguém o chamou de foca de circo e, principalmente, ninguém tem guardada na memória uma falha capital dele que tenha decidido campeonato ou eliminação em Copa do Mundo. E mesmo quando começou a ser criticado não apenas por seu comportamento fora das quatro linhas, dos 37 em diante, o cara ainda calou a boca de muita gente.

Foi artilheiro do Campeonato Brasileiro aos 39 anos (depois de ter sido aos 35) e na busca pelo milésimo, aos 41, fez 13 gols em 13 jogos até chegar ao objetivo maior. E fez tudo isso com a camisa do Vasco, graças a Deus. Romário já reconheceu algumas vezes que São Januário é sua casa no futebol, beija a mão de Pai Santana e é chamado de filho pelo roupeiro Severino. Também cansou de enaltecer a tradição e a força da camisa vascaína em entrevistas antes e depois de jogos, mas jamais declarou amor à Cruz de Malta. Flertou com os inimigos algumas vezes – em passagens sem títulos significativos pelo carcomido gramado da Gávea e pelo extinto estádio das Laranjeiras – e de vez em quando, instado por perguntas capciosas de uma mídia parcial, enaltece a torcida de determinado time, tida como a maior do Brasil, só pra manter a popularidade em alta. Mas sempre afirmou torcer pelo América. Jogada de mestre. Com isso angariou a simpatia de uma cidade inteira e de todo o país, apesar de alguns jornalistas de determinado estado acharem, até 1994, que Müller era melhor que ele, assim como pleiteavam a entrada de Zetti no lugar de Taffarel. Opiniões bastante estranhas, que só o bairrismo exacerbado pode explicar.

Roberto era chamado de velho e botinudo (vejam que absurdo) por torcedores rivais. Zico era bichado. E amarelão, claro. Edmundo às vezes ouve o coro nada agradável de as-sas-si-no e Renato Gaúcho cansou de ser brindado com ofensas colocando em dúvida sua propalada masculinidade. Romário, que eu me lembre, jamais ouviu coros dessa natureza.

Iludidos pela competência marqueteira do cara, os flamenguistas realmente acreditam que ele é rubro-negro, e não o vaiaram nem quando tomaram de cinco do maior rival, com três gols dele, o que já aconteceu duas vezes, uma delas numa final. O cara até deve ter sido xingado num jogo ou outro, mas nunca com aquela vontade de chicotear alguém, que de vez em quando pinta na arquibancada do Maraca. As torcidas o respeitavam, todas o tratavam com deferência. Todas, menos uma.

Romário virou unanimidade mundial em 1994, depois de despontar na Europa pelo PSV da Holanda e ser contratado pelo Barcelona. Antes disso, passou oito anos em São Januário, dos 14 aos 22. A torcida vascaína o conhece desde moleque. Na decisão de juniores de 84, ele meteu três em dois jogos contra o Flamengo e o Vasco foi campeão. No ano seguinte, entrou nos profissionais para só sair em 88, bicampeão carioca, em duas finais contra o Flamengo.

Nesse tempo foi tratado primeiro como promessa, depois como artilheiro dos mais competentes, mas nunca como intocável.Chegou a ser sacado do time no intervalo de uma final de campeonato, numa das maiores burrices da história do futebol. E quando voltou ao Brasil para defender as cores de Exu, foi tratado como deveria, mesmo que com a camisa rubro-negra tenha amargado dois vices no ano do centenário do clube, quando eles não ganharam nada (ou melhor, ganharam uma Taça Guanabara).

A torcida do Vasco, então, passou a ser a única que de vez em quando o xingava com aquela vontade de dar uns tapas. O coro “Ei! Romário! Vai tomar no ...” foi entoado algumas vezes em arquibancadas cruzmaltinas, inclusive quando ele vestia a camisa bicampeã sul-americana. Discordo disso, mas torcedor sabe como é, né? Geralmente não raciocina muito.

Romário é ele e mais ninguém. Pensa nele antes de tudo e escolhe suas declarações de acordo com seu interesse. Dentro do campo, foi o maior jogador de futebol brasileiro que a geração nascida de 68 pra cá viu atuar. Superou Pelé em número de gols marcados em jogos oficiais, o que o torna, oficialmente, o maior artilheiro de todos os tempos. E se Pelé virou Deus nos gramados e comete tantas estultices fora dele, porque Romário seria diferente?

Por isso não xingo o cara nem me importo muito com o que ele fala. Fico com os atos, no caso o que ele fez dentro do gramado com a camisa dos times em que atuou. Com a camisa do meu time, Romário conquistou um campeonato brasileiro, dois estaduais, três Taças Guanabara e duas Taças Rio. Foi também artilheiro em quase todas as competições e, pra arrematar, fez três gols na maior virada da história do futebol, na decisão da Mercosul de 2000.

Por tudo isso, vinte e dois anos depois daquele jogo contra o Bangu, tava lá no Maraca quando ele fez seu último gol no estádio, contra o Flamengo, num jogo em que a torcida adversária saiu celebrando seu goleiro após a derrota por 3 a 0. Fui também a São Januário, uns setenta dias depois, para testemunhar das sociais o último gol da carreira do cara.

Ele já tinha feito um, de pênalti, e o Vasco ganhava do Grêmio por 2 a 0. No finzinho do primeiro tempo, o meio-campo vascaíno puxa um contra-ataque e de pé em pé a bola sobra para Romário, desmarcado na marca do pênalti e de costas para o gol. Ele domina, gira o corpo e toca rasteiro, suave, na saída do goleiro Galato. Durante essa jogada, antes de a bola chegar aos pés de Romário, parte dos refletores de São Januário se apagou.

A matéria abaixo foi assinada também pelo Eduardo Minc, que apurou muita coisa. O Romário não quis dar entrevista na época. Tivemos de dar nosso jeito pra conseguir as aspas dele

Revista Istoé Gente, edição 145, de 13 de maio de 2002


“Já passou, vida que segue. Não tá nada perdido. Meu nome já tá na pedra.”
(Foto: Marcelo Theobald)


Na segunda-feira 6, o atacante Romário, 36 anos, acordou cedo na casa da mãe, Lita, em São Conrado, no Rio. Foi à praia, voltou meio-dia e dormiu um pouco mais. Antes de retornar ao quarto, tomou uma xícara de café e, reparando na ansiedade dela, disse: “Mãe, não fica muito entusiasmada que é certo que eu não vou estar nessa lista”. Duas horas depois, o anúncio dos 23 convocados pelo técnico Luís Felipe Scolari para disputar a Copa do Mundo confirmou a previsão do artilheiro vascaíno. Apesar do clamor popular que fez com que até o presidente Fernando Henrique Cardoso pedisse sua convocação, o segundo maior goleador da história do futebol mundial, atrás apenas de Pelé, ficou de fora da seleção brasileira.

Autor de 835 gols na carreira e campeão da Copa de 1994, quando foi considerado o melhor jogador do mundo, Romário deixou a casa da mãe e foi visitar o pai, Edevair, que ouviu do filho: “É, pai, não tem jeito, o homem (Felipão) tem bronca de mim”. À noite, foi à pelada no Clube Caça e Pesca, na Barra da Tijuca. O jogo, que começou às 21h e durou 40 minutos, terminou 7 a 6 para o time de Romário, que fez dois gols. Depois, passou na churrascaria Pampa Grill, também na Barra. Lá foi aplaudido ao chegar, jantou e ficou até meia-noite e meia. O atacante estava triste, mas tranqüilo. Na mesa com amigos como o fisioterapeuta Fernando Lima, o Zé Colméia, ele disse: “Não importa se estou fora dessa seleção do Felipão. O importante é que estou na seleção do povo”.

Calado, apenas concordou com a cabeça quando os amigos disseram que o erro foi terem dado todo o poder a uma pessoa só, referindo-se a Scolari. “Ele disse que não tem nada contra o Felipão e não entendia porque não era convocado, só queria fazer gols com a camisa da Seleção”, contou o economista Hélio Calvano, 54 anos, que estava na churrascaria.

A tristeza de Romário afetou os filhos. Para Moniquinha, 12, e Romarinho, 8, o clima é de velório. “ A Moniquinha falou com o pai na noite de segunda-feira, pelo telefone, e chorou depois que desligou. Ela só conseguia perguntar por que ele não tinha sido convocado”, contou Mônica Santoro, 31 anos, ex-mulher de Romário. Romarinho ficou calado quando soube. Mas depois mostrou que isso não abalou sua convicção. “Não tem importância. Meu pai ainda é o melhor do mundo”, disse à mãe.

Artilheiro e campeão por todos os clubes que passou – desde o início no Vasco, passando por PSV da Holanda, Barcelona, Flamengo e a volta ao clube que o projetou –, o goleador coleciona polêmicas. Na Copa de 1994 nos Estados Unidos, teve um caso com a modelo Andréia Oliveira, que detonou sua separação da primeira mulher, Mônica. Casado hoje com Danielle Favato, mãe da filha Danielinha, vive sob rumores de nova separação, nunca confirmada.

Oficialmente mora com a mulher na cobertura do condomínio Varandas da Barra. É um dos bens de seu patrimônio. Ele tem dois apartamentos no condomínio Golden Green, onde um imóvel vale até R$ 2 milhões, e um apartamento em frente à praia da Barra, em que mora a ex-mulher. Possui ainda um prédio de quatro andares na Vila da Penha. Dono de um Porsche vermelho, uma caminhonete Mercedes e um Audi A4, Romário emprestou R$ 9 milhões ao Vasco para cobrir dívidas. E o valor do contrato com a Coca-Cola é guardado a sete chaves.

A ausência na Copa não é a primeira decepção. Em 1996, ficou fora do time de Zagalo para as Olimpíadas de Atlanta. Dois anos depois, foi cortado, por contusão, dias antes da estréia na Copa da França. A última frustração foi em 2000, quando Vanderlei Luxemburgo não o chamou para as Olimpíadas de Sydney. Dessa vez, Felipão admitiu que deixou de chamar Romário não só por questões táticas. Segundo o técnico, contribuiu o fato de o atacante ter disputado amistosos do Vasco no México. Na época disse que faria uma cirurgia no olho para ser dispensado da seleção que jogaria a Copa América na Colômbia, em julho de 2001. "Romário não foi à Copa América porque o próprio Felipão o dispensou”, desmente o presidente do Vasco, Eurico Miranda.

Outro motivo para a decisão do técnico da Seleção teria sido uma indisciplina do artilheiro em Montevidéu, quando a seleção estava concentrada para o jogo contra o Uruguai pelas eliminatórias. Segundo um empresário ligado a Felipão, o treinador perdeu a confiança em Romário porque o craque, mesmo sem sair do hotel onde a seleção se hospedara, teria passado a noite com uma aeromoça na antevéspera do jogo, realizado no dia 1º de julho. A tripulação do avião que levou o time se hospedou no mesmo hotel. Na véspera da partida, Romário foi o único ausente da entrevista coletiva concedida pelos jogadores.

Amigos de Felipão, como o presidente de honra do Grêmio de Porto Alegre, Fábio Koff, acham que o craque não vai à Copa por opção tática. “O futebol do Felipe é coletivo, e o Romário não se ajusta a isso”, disse o cartola, que sempre almoça com o treinador. “Ele só me pedia para não falar do Romário nos almoços.” Mas não faltou quem tentasse mudar a opinião de Scolari. Um empresário ligado a Ricardo Teixeira garante que o presidente da CBF sugeriu que o craque fosse à Coréia ao
menos como reserva “para atender ao apelo popular”. Já Eurico Miranda tem certeza de que Antônio Lopes – técnico que lançou Romário como profissional do Vasco, em 1985, e hoje é coordenador da seleção – é a favor da convocação. “Não digo as sugestões que dei porque isso é uma questão interna. Fico com a decisão da comissão técnica”, disse Lopes. Romário já disse a amigos que agora só quer buscar o milésimo gol. A quem não conseguia controlar a revolta, como o empresário e amigo Luizinho Moraes, o craque deu seu recado. “Já passou, vida que segue. Não tá nada perdido. Meu nome já tá na pedra.”